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Lições do passado e do presente para construir o futuro, por Fernando Teixeira
O novo Plano Diretor traz à tona questões sobre a preservação cultural e o futuro da nossa cidade

Florianópolis e a grande massa de edificações na região central (ano 2015). (Fotos: Fernando Teixeira)

Publicado em 29/07/2024

Basta uma caminhada com um olhar mais atento pelas ruas do distrito sede de Florianópolis, para sentirmos as alterações provocadas pelo novo Plano Diretor, recentemente aprovado pela Câmara Municipal da capital. 

O novo plano diretor incentiva a verticalização de locais com infraestrutura consolidada.

 

Em quase todos os quadrantes deste já adensado território, o que se percebe são inúmeras casas e pequenos prédios sendo demolidos, para dar lugar a novos e luxuosos edifícios residenciais e comerciais, que surgem com a prerrogativa de atender às demandas de uma cidade que precisa crescer e se preparar para o futuro. 

Por toda a cidade terrenos aguardam novas construções.

 

Mesmo que consideremos tudo isso algo natural, há uma pergunta que sempre vem à mente: que futuro é esse que estamos “arquitetando” e “edificando” para a Ilha de Santa Catarina? Em recente viagem à Itália, nas longas e prazerosas caminhadas por lugares para lá de interessantes, seguidamente essa reflexão esteve presente em meus pensamentos. Por várias cidades por onde passei, algumas menores, outras maiores que Florianópolis, muitas delas à beira-mar, o que se percebe é um admirável cuidado com a preservação das raízes culturais e históricas desses lugares. Bari, uma linda cidade banhada pelo Mar Adriático, com uma população de aproximadamente 330.000 habitantes, é um dos exemplos dessa relação de proximidade e carinho que precisamos manter com o passado, aprendendo com ele a construir um futuro mais equilibrado e harmonioso. Algo que me chamou por demais atenção é a forma como cidades como Bari conseguem estabelecer um diálogo entre o momento presente e seu longínquo passado, sem perder de vista a necessidade de avançar e se adaptar às exigências desses novos tempos. Uma cidade carregada de história e formada por uma estonteante arquitetura, soube mantê-la em destaque, convivendo em perfeita harmonia com o novo. 

 

Cidade de Bari – construções de valor histórico convivem em harmonia com as novas edificações.

 

Diferentemente de Florianópolis, onde os gabaritos das edificações, pouco ou quase nada levam em consideração a proximidade com construções de valor cultural ou histórico, por lá o que se verifica é uma total relação de respeito entre esses dois polos nada antagônicos. Nos espaços urbanos, sobretudo onde há uma maior concentração de edifícios mais antigos, os prédios mais modernos mantêm, invariavelmente, as mesmas proporções dos primeiros, dando um perfeito equilíbrio ao conjunto das edificações, tornando esses lugares mais charmosos e aconchegantes. 

Edificações de valor histórico perdem-se entre edifícios de grande porte, em Florianópolis.

 

De antemão sabemos que, ao visitar esses lugares, não encontraremos somente belezas naturais, mas sobretudo um conjunto de atrativos que reúne natureza e preservação de sua cultura e de seu patrimônio. Esse olhar pelo conjunto faz fortalecer a identidade, faz crescer os vínculos de afeto e de cuidado do cidadão com sua urbe.

Os elementos cênicos e estéticos que mantêm preservados diferentes momentos da história do lugar, além de estabelecerem fortes laços entre presente, passado e futuro, são fundamentais para o fortalecimento da autoestima das populações que ali residem. Se nos propusermos a conhecer as justificativas que orientam o atual plano diretor de Florianópolis, veremos que este impulsiona ainda mais a verticalização de áreas que já demandam certa infraestrutura. No entanto, o que percebemos por aqui é que pouco, ou quase nada, tem  sido feito para alterar o complicado quadro que nos encontramos em vários setores. Vias congestionadas, com as mesmas dimensões de séculos passados, ausência de diferentes alternativas para o transporte coletivo, acessibilidade reduzida em calçadas quase inexistentes, fiações elétricas cada vez mais sobrepostas, pouca cobertura do sistema de tratamento de esgotos sanitários, indisponibilidade de água potável dentro do território municipal que possa atender à demanda local, além da falta de um espaço no município para depósito e tratamento dos resíduos sólidos, são algumas das questões que precisam ser colocadas na balança. 

O equilíbrio entre demandas futuras e as condições necessárias ao seu atendimento são fundamentais para que tenhamos uma cidade no mínimo mais harmônica e justa socialmente. Não podemos perder nossas características, não podemos nos transformar numa cidade qualquer, sem rosto, sem identidade. Não podemos esperar que apenas o grande potencial de nossas belezas naturais, que aos poucos também vem sendo eliminado pela força da grana que “ergue e destrói coisas belas”, como canta Caetano Veloso (em Sampa), nos garanta uma Florianópolis de que possamos, no futuro, nos orgulhar. Se o desenvolvimento desta cidade que tanto amamos é irreversível e inevitável, que este possa vir sedimentado sobre as bases da sustentabilidade. Que nos espelhemos nos exemplos de lugares como Bari, que acomoda em harmonia, passado e presente, sem deixar de estar atenta às possibilidades do futuro.

Exemplo de cuidado com a história – Casa do ex-governador Hercílio Luz, cercada por prédios baixos.

 

 

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Sobre o autor

Fernando Teixeira

Formado em Arquitetura e Urbanismo (UFSC), mestre em Geociências e Doutor em Educação Científica e Tecnológica (UFSC), natural de Florianópolis. Atualmente tem se dedicado à fotografia.


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