Facebook se curva à “velha” mídia
Contabilizando um prejuízo astronômico decorrente do uso indevido de dados privados dos usuários, a maior rede social do planeta publica anúncio em jornais impressos para pedir desculpas
Coincidência ou não, desde o início do ano estamos falando aqui nesta Coluna de assuntos como fake news, do roubo de dados pessoais pelos testes lançados de forma nada ingênua nas redes sociais e também sobre a credibilidade da “velha” mídia, os bons e tradicionais jornais impressos. Eis que agora bate à nossa timeline o escândalo do vazamento de dados do Facebook, levando Zuckerberg a perder 87 bilhões de dólares e certamente algumas noites de sono.
Se você não está acompanhando o caso, permita-me atualizá-lo rapidamente: o jornal americano The New York Times e os ingleses The Guardian e Observer denunciaram no mês passado que os dados pessoais e detalhes sobre atividades on-line de nada menos que 50 milhões de perfis do Facebook foram coletados e utilizados para fins eleitorais, sem qualquer autorização dos usuários. Isso aconteceu em 2014 por meio de um aplicativo desenvolvido por Aleksandr Kogan, psicólogo da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, e com o consentimento do Facebook para fins acadêmicos.
Mas Kogan não quis só estudar, ele vendeu os dados à Cambridge Analytica, consultoria responsável por parte da estratégia política da campanha presidencial de Donald Trump. Foi a partir daí que se iniciou a onda de fake news para derrotar Hillary Clinton e soterrar as redes com o mais tóxico dos lixos políticos. Para piorar a história, o Facebook descobriu em 2015 que os dados foram vendidos para uso eleitoral e nada fez. Apenas pediu à Cambridge que destruísse o banco de dados. Mas não fiscalizou se o acordo foi cumprido. Também não avisou aos usuários do Facebook que os dados deles haviam sido roubados e utilizados indevidamente. Tantos erros provocaram uma das maiores derrocadas de ações já vista na rede social. Até o início deste mês, o Facebook havia perdido 14% do seu valor global – cerca de 70 bilhões de dólares, a maior crise sem dúvida desde que nasceu, há 14 anos.
Facebook faz mea culpa nas edições impressas dos 3 maiores jornais americanos: o Washington Post (foto), o New
York Times e o Wall Street Journal, e de seis jornais do Reino Unido
Mas o mais inusitado de toda essa história é que Mark Zuckerberg, que nunca poupou os tradicionais jornais impressos de previsões catastróficas sobre o fim da velha mídia, teve agora que recorrer justamente a ela para se desculpar com o mundo. Na hora do aperto, pediu socorro justamente a quem atacava deliberadamente. Publicou anúncios gigantes, deu entrevista a grandes redes e seguiu rigorosamente todas as orientações para gerenciamento de crise vindas do seu assessor de imprensa, PR (public relations) como chamam por lá. Justamente Zuckerberg que há menos de três meses deu um duro golpe nos veículos de comunicação, alterando o algoritmo para que os usuários visualizassem cada vez menos as páginas dos jornais e outros produtores de notícias do mundo real. Tiro pela culatra. Agora é ele quem precisa restabelecer a verdade e recorre justamente a quem ainda tem sua credibilidade em alta.
O FlaXFlu estabelecido entre Facebook e “velha” mídia promete estar longe do fim. Antes mesmo de todo esse escândalo, a Folha de São Paulo já havia anunciado a sua retirada da rede social, em resposta à mudança da programação que prejudicava a visibilidade dos jornais. Agora, outras empresas prometem retirar-se do Facebook, como a gigante Unilever, motivadas pela campanha #DeletaFacebook que circula ainda com força na internet. O fato é que o prejuízo do Facebook é só a ponta de um iceberg pronto a ser revelado por inteiro. Bem mais que uma crise de credibilidade, a rede social mostra quão vulneráveis estamos e como a democracia de um país como os EUA, construída ao longo de mais de 200 anos, pode ser totalmente comprometida. Imagine então o estrago que poderia ser feito na nossa frágil democracia brasileira?
O saldo disso tudo é que fica cada vez mais fortalecido o papel dos jornalistas e dos jornais. Ter compromisso com a informação e respeito pelo leitor nunca esteve tão em voga.