Aprendendo a ganhar
Educação financeira é tema essencial para crianças e adolescentes dentro de casa e na escola
Aprender a lidar com as finanças já não é uma atividade destinada apenas aos adultos. Crianças e adolescentes estão aprendendo como administrar o dinheiro que ainda não começaram a ganhar através de seu trabalho, mas, quando essa hora chegar, estarão aptos a administrá-lo melhor.
“Há quem pense que as crianças não têm discernimento para lidar com finanças”, relata o presidente da Associação Brasileira de Educadores Financeiros - Abefin, Reinaldo Domingos: “porém, notamos que com 4, 5 ou 6 anos elas já reconhecem o dinheiro como um meio para realizar sonhos. Isso nos faz acreditar em uma nova geração de pessoas independentes financeiramente, mais realizadas e felizes”, diz.
Reinaldo é mentor de um programa de educação financeira nas escolas. De acordo com ele, existe a conscientização de que o ambiente escolar é o mais propício para o ensino dessa disciplina e que, além dos alunos, suas famílias também são beneficiadas. “Todas as crianças e jovens que recebem educação financeira na escola participam das discussões relacionadas às finanças da família em casa”, ressalta Domingos.
Na casa da Juliana Santana e Henrique Schiefler, o controle financeiro conta com a participação dos filhos Tiago, 8 anos, e Rafael, 7 anos. Ela conta que eles não recebem mesada, mas muitas vezes ganham dinheiro dos avós e parentes e, quando querem 'levantar capital' para novos projetos, normalmente a compra de brinquedos, costumam escrever livros para vender (produção e impressão próprias) ou fazer um bazar com os brinquedos antigos.
Juliana explica que o orçamento da família é dividido em custos da casa e investimentos em educação e lazer. Quando precisam avaliar alguma decisão de compra, por exemplo, ela e o marido reúnem-se com os meninos para conversar: “optamos por viajar nos aniversários, por exemplo, em vez de fazer festas. Caso o destino desejado não seja possível naquele momento, abrimos uma discussão para saber se devemos esperar até termos o suficiente ou escolhemos outro local. Esse é um dos exemplos de como lidar com o financeiro”.
Finanças no currículo
A partir de dezembro, todas as escolas brasileiras devem estar adaptadas às diretrizes da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Uma delas diz respeito à resolução de problemas dentro do contexto da Educação Financeira. Segundo a BNCC, no ensino “podem ser discutidos assuntos como taxas de juros, inflação, aplicações financeiras (rentabilidade e liquidez de um investimento) e impostos”. Além disso, a Base também diz que essa abordagem “favorece um estudo interdisciplinar envolvendo as dimensões culturais, sociais, políticas e psicológicas, além da econômica, sobre as questões do consumo, trabalho e dinheiro”.
A professora de matemática Francine Ruas de Souza e a de português, Gisele Bastos, desenvolveram com os estudantes do 6º e 7º ano do ensino fundamental da Escola Municipal Henrique Veras, na Lagoa da Conceição, em Florianópolis, atividades relacionadas à educação financeira. As turmas visitaram dois supermercados do bairro a fim de pesquisar preços dos materiais utilizados para a confecção de um bolo. Procuraram pelo menor preço, discutiram sobre as notas fiscais e o troco, prepararam a receita e redigiram o seu preparo. “O intuito foi desenvolver o pensamento sobre educação financeira, reforçar as operações matemáticas e o estudo de medidas, e exercitar a pesquisa e escrita”, explica Francine.
Nas escolas da rede estadual, uma parceria entre o Governo do Estado de Santa Catarina e a Associação de Educação Financeira – AEF Brasil resultou em um projeto para a capacitação de professores de unidades escolares. Porém, de acordo com a Secretaria de Estado da Educação, as atividades tiveram que ser suspensas temporariamente para se adaptar ao Decreto Federal 9.759/2019, que “extingue e estabelece diretrizes, regras e limitações para colegiados da administração pública federal". Segundo a gestora pública Fabíolla Carpes Krämer, o objetivo é que as atividades sejam retomadas o mais breve possível, mas ainda não há uma data definida.
Em entrevista no site do Ministério da Educação (MEC), a presidente do grupo de apoio pedagógico do Comitê Nacional de Educação Financeira (Conef) e assessora técnica da Secretaria de Educação Básica do MEC, Sandra Tiné, chama a atenção para a falta de conhecimento sobre o que é ser financeiramente educado, como gerir finanças, planejamentos e projetar sonhos. “Isso são coisas que devem ser trabalhadas com as crianças desde o início da escolarização. Se olharmos as últimas pesquisas, vemos que ainda somos um país de pessoas super endividadas e isso compromete o desenvolvimento do país. Queremos e precisamos ser um país de poupadores”, ressalta.
Antecipando o aprendizado
Enquanto as escolas se adaptam às diretrizes da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), existem meios para que a educação financeira seja levada às escolas de Florianópolis e região. O Ministério da Educação distribui, gratuitamente, por meio do site www.vidaedinheiro.gov.br, informações que as escolas podem utilizar, com material para download e distribuição de livros impressos tanto do ensino médio quanto do ensino fundamental.
Através de palestras gratuitas em escolas e instituições da Grande Florianópolis, uma cooperativa financeira da região desenvolve o Projeto Somar, com o objetivo de proporcionar educação financeira para crianças alfabetizadas, jovens e professores. Dentre os tópicos abordados estão a relação com o dinheiro, o equilíbrio entre necessidade e vontade e o orçamento familiar. A palestrante e assessora de Negócios da cooperativa, Rosálie Isabel Sant’ana, conta que “muitos jovens orientados pelo projeto estão entrando no mercado de trabalho e assumindo seus próprios rendimentos, e que as noções estão sendo fundamentais para promover sua educação e cidadania financeira”. Os locais interessados devem se inscrever no site www.projetosomar.org.br.
Matéria escrita por Gabriela Morateli
Aproveite as férias escolares para conversar com as crianças sobre educação financeira
As férias escolares podem ser uma ótima oportunidade para inserir a educação financeira na vida das crianças. Neste período, o desejo de consumir começa a aumentar e ficar mais presente no cotidiano da população, principalmente dos pequenos. Um grande número de produtos e passeios estimulam o desejo deles e são expostos o tempo todo na mídia. Por conta disso, as pessoas são obrigadas a lidar com o dinheiro cada vez mais cedo, seja na escolinha, em casa ou mesmo na rua, com os amigos. Mas como podemos aproveitar esse momento de descanso para tratar a educação financeira? Veja algumas orientações:
- A partir dos dois/três anos, quando a criança começa a demonstrar desejos próprios, já é o momento de iniciar a educação financeira, mostrando o processo de troca do dinheiro por produtos;
- Para evitar que a criança queira tudo, o tempo todo, reserve as datas especiais (como o Natal, aniversário, etc.) para dar brinquedo à criança.
- Os cofrinhos são ótimas opções para mostrar a importância de poupar e, por ser barato, pode ser dado entre os presentes;
- Conheça o desejo ou o sonho da criança. Procure mostrar a ela que tudo tem um valor e demonstre quanto ela terá que guardar de dinheiro para conseguir com que este sonho seja realizado. Quando chegar à quantia necessária, acompanhe-a na compra, que será uma conquista;
- Busque explicar para a criança, por meio de conversas, jogos e brincadeiras, que nem tudo o que ela quer ou assiste na TV é para comprar. Estimule-o a refletir e pensar sobre como utilizar o dinheiro;
- Na hora de realizar as primeiras compras com o dinheiro que seu filho guardou, converse com antecedência com o vendedor ou gerente da loja, alertando da importância do momento e que necessita de uma ajuda, que pode ser realizada com a concessão de um desconto na compra à vista;
- Pratique reuniões mensais sobre o orçamento financeiro da casa e convide todos, principalmente as crianças, para que comecem a entender que tudo o que fazemos ou temos em casa tem valor;
- Antes de dar mesada, analise bem essa possibilidade e inicie esse processo com muito cuidado, conversando sobre o valor do dinheiro e o que ele irá representar em toda a sua vida;
- Procure fazer com que a criança anote onde e no que gasta o dinheiro que recebe. Mostre que, antes das compras, é bom realizar pesquisas em, pelo menos, três lugares, para ensiná-la que sempre existe diferença de preço entre os lugares, desde um chocolate ou lanche até um brinquedo;
- Abra uma previdência privada ou poupança para o seu filho.
Fonte: Reinaldo Domingos - PhD em Educação Financeira e presidente da Associação Brasileira de Educadores Financeiros - Abefin