A era da opinião sem informação
O estrago mental gerado pelas redes sociais é proporcionalmente inverso ao senso de responsabilidade das pessoas ao emitirem sua opinião sem ao menos se informarem antes. A evolução do Homo Sapiens foi interrompida, somos agora Homo Fácil.
Nem bem o fato foi noticiado e uma legião de usuários das redes sociais sai abrupta e impulsivamente despejando sua opinião rasa, julgando procedimentos, condenando pessoas, desejando “justiças”, destilando ódio, proferindo sentenças e exalando o que de pior um ser humano é capaz do alto da sua ignorância ativa. Assim tem sido os dias nas timelines próprias e alheias, sem dar espaço para a informação correta e completa, para a empatia ou para o exercício da tolerância.
Até aí nenhuma novidade, muito embora a cada novo episódio a gente continue se surpreendendo com o nível baixo e o rumo decadente que a coisa toda tomou. A pergunta é como chegamos a esse ponto? Talvez descobrindo onde erramos possamos, quem sabe, dar alguns passos atrás e tentar retomar o projeto de evolução relatado por Darwin (opa, mas até essa teoria já foi questionada também!). E é exatamente esse o ponto. Estamos dando opinião, sem antes dar chance à informação, quiçá ao conhecimento. Para esse comportamento já existe até uma nova denominação que começa a ser utilizada por estudiosos e observadores do comportamento social. Sai de cena o Homo Sapiens e entra o “Homo Fácil”, como tem usado apropriadamente o psicanalista e colunista da Folha de São Paulo, Contardo Calligaris: “Nas mídias sociais, o Homo Fácil se sente em casa: é uma arena de opiniões — pura ideologia, sem espaço nem tempo para fatos, pensamentos, estudo, reflexão ou diálogo”.
Contardo não fica longe do escritor e filósofo italiano Umberto Eco, que em 2015 causou uma reverberação em proporção planetária quando proferiu que “as redes sociais deram voz a uma legião de imbecis”. E não deixa de ser uma triste verdade. Seu colega Luiz Felipe Pondé foi até mais crítico ao explicar porque isso acontece: “a internet torna o ódio seguro, porque não tem um retorno físico contra quem agride. Ela é uma bela cultura de bactérias para as pessoas colocarem suas raivas sem arcar com nada.” Mas é importante ressaltar que as redes sociais apenas fizeram o papel de evidenciar e dar palco para problemas já existentes: a falta de informação, o ódio latente, o excesso de opinião rasa e, ao fim, a descoberta de que a humanidade involuiu. Tentar fugir das redes sociais ou desejar que elas não tivessem sido inventadas é o mesmo procedimento do pai que, ao ver que a filha engravidou do namorado na sua própria sala, joga o sofá fora.
O sofá e as redes sociais vão continuar existindo e surgindo. O que precisamos discutir é o uso que estamos dando a eles. E, pior do que isso, o mal que esse uso equivocado está fazendo para a nossa saúde mental. Como diz um grande amigo e também jornalista, Renato Dalto, “é duro ter sensibilidade no reino da demência”. Mais salutar seria pensar que a internet democratizou a informação e que as redes sociais deram poder de mídia ao cidadão. Ninguém precisa mais aceitar passivamente uma informação hermética, antes de produção única e exclusiva de jornais, revistas e telejornais. Hoje qualquer pessoa pode ser um veículo de comunicação. E é nesse ponto – que deveria ser positivo - que voltamos à nossa preocupação inicial: teremos a chance de evoluir quando não mais nos sentirmos obrigados a dar opinião sobre qualquer coisa, principalmente sobre as quais não dominamos o assunto. Viva Glória Pires!