Marcas que opinam
Atitude, posicionamento, firmeza na defesa de suas ideias. Não, não estamos falando de pessoas, mas sim de empresas que cada vez mais tomam partido acerca de questões que afligem e desafiam a sociedade
O hambúrguer que você almoçou repudia a construção do muro de Trump? Seu sabão em pó luta pelos direitos dos animais? A loja de departamentos que você frequenta defende incondicionalmente o presidente Bolsonaro? E a indústria que fabrica seu perfume apoia a diversidade e o direito à livre expressão? Há pouco mais de uma década, poderia soar loucura pensar que uma marca assumiria um posicionamento nas polêmicas discussões vividas pelo universo do consumidor. São empresas corajosas que, mesmo arriscando perder aqui e ali, lançaram uma estratégia que tem se mostrado altamente eficiente na fidelização de clientes.
Isto porque, como nunca antes, o consumidor quer ver transparência nos valores e nas crenças das marcas. Esta foi a conclusão da pesquisa “Global Consumer Pulse” da Accenture Strategy, que conversou com nada menos de 30 mil consumidores ao redor do mundo, sendo mais de 1.500 brasileiros. E acreditem: a grande maioria – precisamente 83% dos entrevistados no Brasil – preferem comprar de empresas que defendam propósitos alinhados aos seus valores de vida. Ou seja, marcas que falam abertamente sobre política, justiça social, cultura e meio ambiente ou que demonstram comprometimentos com causas relevantes têm muito mais chances de atrair consumidores e influenciar decisões de compra.
A verdade é que temos assistido nos últimos tempos a várias polêmicas geradas por grandes marcas e que nem sempre passam a impressão de ser um marketing assertivo, tamanha a confusão exposta nas redes sociais, com manifestações contrárias organizadas e boicotes. Recentemente, a Gillette americana causou um verdadeiro terremoto ao abordar os termos feminismo, machismo e masculinidade tóxica. Apesar dos muitos milhares de elogios nas redes, homens se uniram para pedir boicote à marca e criticar a campanha, que consideravam ofensiva ao sexo masculino. Aqui no Brasil, o polêmico Luciano Hang, dono das lojas Havan e defensor máximo do presidente Bolsonaro, já ganhou diversos perfis de boicote ao consumo nas unidades da sua rede varejista e sofreu até invasão do MTST (sem-teto) numa das suas lojas.
Já o Magazine Luiza caiu nas graças das mulheres ao mostrar no último 8 de março que defende a bandeira feminista. Ponto para a virtual Magalu e a verdadeiríssima Maria Luiza Trajano. Nos EUA, no mesmíssimo dia, o McDonald´s resolveu também erguer a bandeira do feminismo, mas não se deu tão bem assim. Ganhou elogios e críticas na mesma proporção. Mais polêmica? Burger King dividiu opiniões ao fazer uma campanha com o tema poliamor. E a Benetton, marca italiana de moda precursora mundial no posicionamento em relação a causas como homossexualismo, racismo e liberdade religiosa, já chocou o público algumas vezes com a ousadia de suas peças publicitárias. Numa delas, em 2011, colocava fotos de chefes de Estado oposicionistas (como Barack Obama e Hugo Chavez) dando apaixonados beijos na boca. A campanha que se chamava “unhate” (algo como “não odeie”) tinha o objetivo de combater a cultura do ódio e causou discussões de cunho religioso, sexual, separatista e político em todos os continentes. Prós e contras unidos em se manifestar a respeito. E a Benetton? Vai muito bem obrigada.
Nossa versão brasileira de ousadia em posicionamentos é sem dúvida O Boticário. A cada nova campanha, a marca mexe com valores da família brasileira e causa polêmicas e discussões nas redes sociais e nas salas de estar. Já recebeu críticas por colocar uma família negra classe média em comercial, por discutir questão de gênero no Dia dos Namorados e até por polemizar com um comercial que falava sobre divórcio. Mas a cada nova campanha, o cliente de O Boticário já espera que a mensagem seja tão ou mais forte que o próprio produto lançado.
E o que dizer das marcas Airbnb, Corona, Starbucks, Uber, Google, Budweiser e várias outras que se posicionaram claramente contra o decreto do atual presidente americano de construir o tal muro na fronteira mexicana? Poderiam perder seguidores, consumidores, desenvolver haters da marca, mas decidiram apostar na discussão de ideias e no direito à livre expressão. Todos saíram ganhando ao final.
O fato é que nem todas as marcas acertam o tempo todo. Há em alguns casos falhas, exageros e problemas na execução das ideias de como passar ao consumidor o seu posicionamento. Mas a verdade certeira é que o consumidor quer ver sua empresa se posicionando, quer saber a opinião da marca que está consumindo. E esta é a oportunidade para as empresas se humanizarem e mostrarem que não estão alheias aos problemas do mundo. Ganha o consumidor, em conteúdo e transparência; e ganham as empresas que corajosamente descem do muro, dizem o que pensam e, na maioria dos casos, fortalecem suas marcas.