Escrever bem é inegociável
Quem expressa suas ideias com clareza consegue se diferenciar na multidão
É um equívoco achar que a habilidade da escrita é privilégio para vocacionados. Desculpa furada. Como quase tudo na vida, 99% vem da transpiração e só 1% da inspiração. Quem quer se expressar bem, corre atrás, se especializa, faz exercícios, pratica. E, inevitavelmente, chega lá. Muitas vezes, antes daqueles que nasceram com o questionável “dom”.
Escrever clara e objetivamente, com fluidez e riqueza vocabular, é requisito primário para qualquer profissional, seja da área que for. Atire a primeira crase quem nunca titubeou diante da desafiadora página em branco. A verdade nua e crua é que neste caso não há milagres. Só quem expressa com clareza suas ideias, passando sua mensagem com exatidão, consegue de fato ir além e se diferenciar na multidão. Isso também no âmbito pessoal. Com a fúria das redes sociais batendo à porta de todos, não há quem não deixe expostos o nível da sua relação com a língua portuguesa e suas técnicas redacionais. E qualquer deslize é motivo para rejeição instantânea. Ou você não se decepcionaria com alguém que, antes admirado, fosse flagrado escrevendo “seje”, “menas”, comcerteza” ou “há cinco anos atrás”?
Estas derrapadas nas curvas do bom português colocam em cheque a credibilidade de quem escreveu. Tudo se mistura. Você passa a não acreditar tanto naquele médico que escreveu na bula para se tomar o comprimido duas “veses”ao dia. Teria ele realmente o domínio sobre a “dozagem”? Da mesma forma, todo um castelo vem abaixo quando aquele belo rapaz da novela das nove posta nas redes que “pra mim fazer este papel, tive que estudar muito”. Certamente, não foi português.
Somos fiscalizados e fiscalizamos o tempo todo. Vacilou, dançou. Importante verificar também que não só quem assassina a língua estará condenado a arder na fogueira dos excluídos. Aqueles que insistem em não dar importância à linguagem precisa e a uma construção inteligente e objetiva da frase vão continuar produzindo textos pobres, às vezes ininteligíveis, invariavelmente nada atraentes à leitura.
E por falar em leitura, ah... os livros! Sim, são eles os grandes patrocinadores da arte de bem escrever. Quem lê muito, escreve bem. Ponto. Sem precisar decorar regras das orações coordenadas sindéticas aditivas, adversativas, substantivas subjetivas, relativas e outra infinidade de normas gramaticais, a leitura proporciona uma assertividade no texto, quase de forma empírica. O mesmo pode-se dizer da ortografia. Como uma micro câmera fotográfica, nosso cérebro parece registrar a grafia das palavras de forma tão implacável que, quem lê muito, nem precisa ficar pensando se o sufixo daquela palavra tem origem grega ou latina e por isso se utiliza o “s” e não o “z”. O leitor voraz se, por um lapso, escrever uma palavra com erro ortográfico, logo vai perceber e se corrigir. É como se o desenho da palavra não tivesse caído bem na página.
Precisando de mais argumentos para ler mais? Esse é arrebatador: um estudo feito por acadêmicos da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP mostrou que o leitor habitual – entenda-se por aquele que lê no mínimo um livro por trimestre – possui no seu portfólio pessoal um vocabulário até 70% maior que o não leitor.
Infelizmente, somos um país que não conseguiu disseminar o hábito da leitura na sua população. A pesquisa Retratos da Leitura, concluída recentemente pelo Ibope, revelou que 44% da população brasileira não lê e 30% nunca comprou um livro sequer em toda a sua vida. Desesperador é ver que os índices, ano a ano, mostram que estamos rumo ao precipício com os percentuais de leitores despencando na mesma velocidade que as tiragens dos livros sofrem drásticas reduções.
O reflexo disso está aí. Lendo menos, escrevemos mal. A Unesco, setor da ONU que cuida de educação e cultura, afirma que só há leitura onde: 1) ler é uma tradição nacional, 2) o hábito de ler vem de casa e 3) são formados novos leitores. Definitivamente, no Brasil as coisas não se dão exatamente desta forma, muito menos nesta ordem. Por aqui, muitos saíram do analfabetismo e foram direto para a TV e para o facebook, sem nunca terem passado pela biblioteca.
Portanto, ler ainda é o melhor conselho para quem precisa melhorar a escrita. Não há atalhos e nem vida fácil, mas algumas dicas podem ajudar:
Não encare a folha em branco antes de planejar o que quer escrever e como vai desenvolver o seu raciocínio
Escrever de forma simples não é sinônimo de texto pobre. Quem faz uso de palavras acessíveis, de vocabulário conhecido, tem mais chances de aderência ao seu texto.
Não há texto bom que sobreviva a um conteúdo ruim. Se você não domina o assunto e não tem o que passar ao seu leitor, simples assim: não escreva.
Escrever é cortar palavras. Menos é mais e sempre será. Seja conciso
Tenha em mente a sua audiência. Saber para quem se está escrevendo facilita em muito a escolha da linguagem a ser utilizada.
Não tenha preguiça de pesquisar. A Internet e suas ferramentas de busca estão aí para tornar nossas vidas mais fáceis. E para não deixar você passar vergonha.
Seja criativo. Fuja do lugar comum, de expressões manjadas.
Eleja um revisor. Um amigo, um parente, um colega de trabalho. Isto porque depois de trabalhar muito tempo em cima de um texto, a análise crítica fica comprometida e é necessário um olhar externo.
E agora, seu texto ficou bom? Leia novamente. Sempre é possível melhorar.