Zé do Cacupé – Uma história de amor por Florianópolis, por Fernando Teixeira
Impossível cruzar as estradas da Ilha de Santa Catarina e não se encantar com as magníficas paisagens que ornamentam este território de rara beleza. Ao mesmo tempo é justo afirmar que este cenário pareceria incompleto, inacabado, não fosse a presença de uma gente cuja singularidade é fator preponderante para diferenciá-lo de tantas outras localidades espalhadas mundo afora. Na pacata Cacupé, nesse lugar onde a orla é serpenteada por pequenas e sedutoras praias, e cujo pôr do sol é pura poesia, viveu até recentemente uma das figuras mais emblemáticas e conhecidas da comunidade florianopolitana, um representante autêntico desse modo de vida ilhéu, descendente de açorianos e madeirenses, José Elizeu da Silva.
Por tão enraizado às suas origens e identificado com os costumes e tradições de sua comunidade, fez questão de agregar ao seu nome o do lugar em que nasceu, se autointitulando “Zé do Cacupé”. Era assim que gostava de ser chamado esse homem simples, cuja vida na infância foi construída ao lado dos pais, atuando na pesca e na lavoura. Em 1948, já com vinte e um anos, embarcou num navio da Companhia Hoepcke para servir ao Exército brasileiro na cidade do Rio de Janeiro. Ao voltar, após um período de quase um ano na então capital da República, prometeu casar-se com Zair, a Dona Zinha. O casamento só veio a ocorrer em 1952, quando nosso ilustre manezinho, já de volta da cidade de Santos - onde após ter trabalhado por três anos como garçom e padeiro, conseguiu juntar recursos que lhe permitiram iniciar uma nova vida. Ao lado de sua grande companheira lutou firmemente para proporcionar aos seis filhos que brotaram dessa relação uma educação baseada em valores como trabalho, caráter e honestidade. Antes mesmo de casar, Zé Elizeu alugou uma casa na região e ali abriu sua venda. Mais tarde, já com os negócios começando a melhorar, adquiriu a propriedade, firmando-se definitivamente como um conhecido comerciante da comunidade. Os primeiros anos não foram fáceis.
A magnifica paisagem de Florianópolis vista de Cacupé (Crédito da Foto Fernando Teixeira)
Quem passa hoje pela localidade e trafega por uma rodovia asfaltada e repleta de condomínios, não consegue imaginar a precariedade das estradas encontradas à época. Para chegar ao Mercado Público Municipal, local onde o casal realizava as compras que iriam abastecer seu pequeno comércio, era necessária uma longa jornada, atravessando toda a baía Norte e parte da baía Sul em uma canoa a remo e vela, de sua propriedade. Após passar por um período difícil, com problemas de saúde, mas encontrando em Dona Zinha e em Tilica (Elias Romão), filho de um amigo, a força necessária que lhe permitiu superar as adversidades, Seu Zé voltou firmemente aos trabalhos.
Era comum vê-lo chegar das pescarias à noite e ter que deixar os peixes que capturava (linguados, robalos, pirajevas, caranhas, garopas) amarrados pela boca a uma vara, dentro d’água , até levá-los ao Mercado Público na manhã seguinte, pois não havia energia elétrica que permitisse a conservação dos pescados. Conta-nos seu filho Renato que o pai foi um grande credor das famílias cujos provedores precisavam sair para pescar camarão em lugares distantes, como Santos e Rio Grande. Muitas vezes, por voltarem de mãos vazias, Zé Elizeu não titubeava e rolava suas dívidas para a próxima safra, sem cobrar nada a mais de seus conterrâneos. Sua liderança comunitária foi sendo edificada passo a passo. Ele foi um dos primeiros a lutar pela chegada da energia elétrica em Cacupé. Para um homem de visão, esse serviço era fundamental, pois tratava-se de fator preponderante para alavancar seu comércio e atender as necessidades da gente do lugar. Com a energia elétrica logo veio a iluminação pública e todos se beneficiaram com esse importante serviço.
O comerciante Zé Elizeu no balcão de sua venda em Cacupé (Crédito da foto: Arquivo da família)
Sua venda funcionava como um verdadeiro Centro Comunitário, onde eram discutidas as demandas da comunidade. Assim foi a iniciativa de solicitar o serviço de ônibus para a região, através de um abaixo-assinado. Com estradas precárias e o progresso chegando, isso era algo fundamental que facilitaria em muito a vida dos moradores. Mesmo encontrando resistência em alguns proprietários de terrenos que eram da cidade e não queriam o progresso do local, Seu Zé coletou as assinaturas e trouxe o tão esperado ônibus para a localidade. Nessa época, sua venda também servia como posto dos Correios. As casas não possuíam numeração, e as correspondências eram deixadas sob sua responsabilidade, até que os destinatários viessem retirá-las. Segundo o filho Renato, “já na década de 1970, Zé Elizeu, com sua liderança comunitária, contribuiu enormemente para a instalação da Escola Isolada de Cacupé. Em 1979, sua venda ficou famosa com a visita da artista norte-americana Liza Minnelli, trazida por seu amigo Luiz Henrique Rosa.
Procissão de Nossa Senhora dos Navegantes – Cacupé (Crédito da Foto Fernando Teixeira)
Devoto de Nossa Senhora dos Navegantes, foi presidente da Diretoria da Capela da Santa Cruz de Cacupé, onde a imagem é venerada”. Após a chegada da SC 401, na década de 1970, a velha canoa de Garapuvu, que tanto contribuiu para seu sustento e de sua família, ficou na praia, à espera dos momentos de levá-lo às suas mágicas e abundantes pescarias, e trazê-lo de volta.
O espetacular entardecer em Cacupé (Crédito da Foto Fernando Teixeira)
Nesse momento em que comemoramos o aniversário de 351 anos de Florianópolis, é extremamente importante enaltecermos e reverenciarmos figuras como Zé do Cacupé, fundamentais para o crescimento e desenvolvimento da fantástica Ilha de Santa Catarina. Que sua história nos inspire e nos faça acreditar que é possível uma Florianópolis cada vez melhor!
*Esta coluna contou com a preciosa colaboração de Renato Machado da Silva, filho de José Elizeu, o do Zé de Cacupé.
Por Fernando Teixeira
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Sobre o autor
Fernando Teixeira
Formado em Arquitetura e Urbanismo (UFSC), mestre em Geociências e Doutor em Educação Científica e Tecnológica (UFSC), natural de Florianópolis. Atualmente tem se dedicado à fotografia.
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