Memória das coisas. por Fernando Teixeira
“Eu ando por aí desenhando tudo com muita fúria, com medo de que no dia seguinte aquilo tenha desabado. Eu chego a me sentir um pouco responsável pela memória das coisas. É a parte que me cabe. Trabalho em cima do que ainda resta”. Com esse pensamento Aldo Beck, importante artista ilhéu, definia seu sentimento acerca da necessidade da preservação, através de suas telas, da paisagem, arquitetura, costumes e personagens da Florianópolis que o viu nascer, crescer e desenvolver-se.
Esse expoente das artes plásticas de Santa Catarina expressou, como poucos, todas as nuances que compõem o mosaico de belezas e encantos deste pedacinho de terra perdido ao Sul do Mundo. Beck começou a pintar ainda criança, experimentando técnicas como aquarela, nanquim e óleo, entre outras. Nesse período da vida teve como mestre e incentivador o prestigiado pintor catarinense Eduardo Dias.
A beleza das paisagens do bairro de Coqueiros está sempre presente na obra de Aldo Beck
Este chegou a sentenciar, certa vez, que Aldo era um artista nato e que um dia se tornaria famoso. Beck foi, durante certo período, frequentador assíduo do Museu Víctor Meirelles, ambiente onde expunha suas obras, além de auxiliar em ações educativas, compartilhando com o público visitante suas experiências como artista. Para celebrar sua trajetória e homenagear os 350 anos de Florianópolis, essa importante casa da cultura catarinense, localizada no Centro da capital, oferece até meados de novembro a Exposição “Aldo Beck – memória das coisas”. Dividida em cinco módulos, a mostra busca apresentar diferentes facetas da produção do artista, sendo a primeira relacionada ao seu processo criativo. Conhecido por sua organização, ele costumava catalogar toda a sua produção.
“Executava uma miniatura de cada obra e junto anotava o nome, a técnica e a dimensão de cada uma delas, bem como para quem eram vendidas ou doadas”, confidencia o filho Artur Beck, detentor de parte considerável do acervo do pai em exposição. Num segundo módulo, destinado às paisagens, alvo preferido para exercitar sua habilidade artística, Aldo exalta sua predileção por cenas marítimas da Ilha de Santa Catarina. Nestas, retrata uma natureza quase intocada, vez por outra entremeada pela presença de um pescador em seu rancho ou de uma gaivota a cruzar os céus.
O vendedor de cocadas – gente que ajudou a construir a história desse lugar
No módulo destinado à reprodução da paisagem urbana da cidade, tema por meio do qual o artista ganhou notoriedade, percebe-se fortemente sua preocupação em registrar uma Florianópolis existente à época, ou mesmo reconstituída, através de achados que encontrava em suas pesquisas em arquivos e bibliotecas, muitas vezes sob orientação do amigo e historiador Oswaldo Rodrigues Cabral.
Nesse período, atravessava-se um momento no qual discussões sobre os avanços do progresso tomavam conta da sociedade. Beck pretendia, com seu esforço, dedicação e amor à cidade, tentar preservar, através de suas obras, uma Florianópolis que não mais existia ou que temia desaparecer. Para isso procurava ser fiel a uma paisagem tal como a percebia ou como esta era descrita em suas inúmeras pesquisas.
Importantes casarios, edificações públicas, igrejas, ruas e praças da antiga Florianópolis foram registradas de forma singular e magistral por Beck, levando-nos a um passeio pelo passado, fazendo-nos questionar sobre as transformações verificadas no presente e as incertezas que nos reserva o futuro dessa cidade que um dia já foi generosamente acariciada pelo mar e que hoje está cada vez mais distante dele. Mas não é somente de paisagens que a exposição se configura como uma das mais importantes já vistas em Florianópolis, quando o assunto é o registro de seu patrimônio arquitetônico e de seus encantos naturais.
Aldo, além de retratar figuras públicas notórias, fez questão de registrar pessoas comuns que representavam a diversidade do povo local. Seja através de retratos ou de cenas que mostram o cotidiano da cidade, como a do o oleiro, do pescador ou do vendedor de cocadas, o fato é que essas representações nos trazem como simbologia a contribuição de cada um deles para a consolidação e o fortalecimento da sociedade florianopolitana.
A última parte da exposição é reservada a experimentações do artista. Conhecido pela fidelidade ao que escolhia representar, Aldo não se furtava produzir obras que se distanciavam de seus trabalhos tradicionais. Não se enquadrava, de acordo com os críticos, ao movimento modernista que se manifestou em Florianópolis entre as décadas de 1940 e 1950. Mesmo assim fazia questão de mostrar que isso não se dava por ausência de talento, mas por querer assumir um estilo próprio e a este permanecer fiel.
Além da paisagem, o artista mostra todo seu talento e genialidade
Para quem nasceu nesta cidade ou a escolheu para viver, visitar a Exposição “Memória das coisas”, em cartaz no Museu Víctor Meirelles, é um programa obrigatório. Uma oportunidade ímpar para conhecer um pouco mais a história e os personagens que marcaram a trajetória deste maravilhoso lugar. Vamos lá?
Esse artigo utilizou dados contidos no flyer de divulgação da Exposição “Memória das coisas”, produzido por servidores do Museu Víctor Meirelles.
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Sobre o autor
Fernando Teixeira
Formado em Arquitetura e Urbanismo (UFSC), mestre em Geociências e Doutor em Educação Científica e Tecnológica (UFSC), natural de Florianópolis. Atualmente tem se dedicado à fotografia.
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