00:00
21° | Nublado

Jantar Real para um Rei
Muito mais que um jantar é a história da gastronomia contemporânea contada em filme

Foto: Internet/ Reprodução **Clique para ampliar

Publicado em 13/10/2023

Mesmo sendo presidente do país mais visitado do mundo, não deve ser simples para um presidente receber uma visita nobre como a de Charles III, o eterno príncipe Charles, que dançou com a Pina, uma linda sambista negra da Escola de Samba Beija-Flor, sem um fio de cabelo na cabeça, e do Charles que colocou chifre na cabeça coroada de uma princesa que todos amavam!

A República recebe a Monarquia: Macron, o plebeu, recebe Charles III, o rei, com sua Rainha e com seu comportamento de filhinho mimado!

Não é Rei Momo e nem Rainha da Bateria, que também têm seu valor, mas o rei de um dos reinos mais poderosos do mundo!

Não deixando esquecer que a França também já foi uma grande monarquia, referência quando falamos em grandes banquetes.

Impossível falar da França, de seus reis e dos banquetes sem reverenciar Marie-Antoine Carême, o Rei dos Cozinheiros e o cozinheiro dos reis.

Reis esses, franceses, que perderam a cabeça, bem diferente do rei inglês, que nunca teve uma!

Os anti-monarquistas que me perdoem, mas rei é rei, e a história do Brasil é repleta de reis, rainhas, príncipes, imperadores e imperatrizes.

Somos filhos da monarquia e de tudo que ela representa!

E não venham me dizer que são “europeu safade”, pois essa é nossa história e nossa ascendência, e não há como mudar isso!

Não há como escrever uma nova história, passado é passado e temos que corrigir nossos erros, no presente e no futuro, para evoluir e escrever uma história de paz daqui para frente, e sem tentar mudar a que já ficou registrado na história! 

Mas voltemos à visita do Rei, esse, sim, “europeu bem safade”, uma visita que ainda será relembrada no cinema.

Já vi alguns filmes com jantares icônicos, como em “Vatel”, “Burnt”, “Chocolate” e tantos outros mas, o mais representativo, com um cardápio que já reproduzi algumas tantas vezes, e já escrevi sobre ele outras tantas vezes: A Festa de Babette!

O filme conta a estória de duas irmãs dinamarquesas, filhas de um pastor no século XIX, que decidem comemorar o centenário do nascimento do pai, e a cozinheira francesa, que também é a faxineira da casa, prepara um jantar com o prêmio que recebe da loteria: um jantar harmonizado que levou os poucos comensais a uma experiencia que virou referência no cinema e na gastronomia!

Já no jantar para um Rei inglês, foi servido em torno de uma mesa de 62 metros, montada com as melhores louças da República Francesa, incluindo pratos de porcelana Sèvres do século XVIII e os copos e taças de cristal Baccarat.

Eram 160 convidados... e, se pudesse escolher um sonho, queria ser um desses convidados!

Não sei se teria roupa para isso, mas paladar certamente tenho!

Para dar início a essa festa nababesca, a lagosta azul da Bretagne com caranguejos, amêndoas e menta francesa, que confere sabor único a esse crustáceo raríssimo e cujo comercio é proibidíssimo.

Comenta-se que, para cada dois milhões de lagostas frugais, nasce uma azul!

Quem preparou a entrada, “Homard bleu et tourteau de casier avec un voile d’amandes fraîches et menthe coq”, foi a chef Anne-Sophie Pic, da Maison Pic, no sudeste da França...ela é a quarta chef mulher a ganhar três estrelas Michelin e já foi eleita a melhor chef do mundo.

“Chapon de Bresse au parfum de maïs, gratin de cèpes” foi o prato principal.

O capão de Bresse é um frango castrado durante o segundo mês de vida, criado durante sete meses ao ar livre, depois engordado com alimentação rica e equilibrada: cereais produzidos na zona AOP Bresse e alimentos naturais como minhocas, moluscos, ervas e sementes... nada de milho e soja transgênicos e mais uma horda de antibióticos e vitaminas!

É abatido aos nove meses, quando atinge um peso entre três e cinco quilos.

E não é um frango vira-latas, tem raça: Gauloise Blanche de Bresse, de um terroir e de um saber ancestral!

Na França toda, menos de trinta pequenos produtores são autorizados a criá-los.

Esse frango com tratamento nobre pode ser considerado o Kobe dos frangos, tamanho o cuidado com sua criação e alimentação.

Só para ilustrar: Kobe é o gado Wagyu, criado na província de Hyogo, Japão, de acordo com as regras definidas pela Associação de Marketing e Promoção da Distribuição da Carne de Vaca Kobe.

No prato principal, o milho apareceu no molho e o capão veio guarnecido com gratin de cogumelos porcini, chamados de cèpes na França.

Yannick Alléno, chef francês, foi responsável pela preparação deste prato, chef que tem nada menos que doze estrelas Michelin ao longo de sua carreira!

“Comté” de leite de vaca, cru e sem pasteurizar, com trinta meses de affinage, ou maturação, foi o queijo escolhido para anteceder a sobremesa.

Aliás, servir o queijo antes da sobremesa é uma prática comum nos meus e em vários cardápios ditos conservadores.

E, para coroar essa celebração gastronômica, “Ispahan de Pierre Hermé”, um macaron recheado de um creme perfumado a pétalas de rosa, acompanhado de framboesas frescas e de lichias.

Se for falar dos vinhos que harmonizaram esse banquete, teria que fazer uso de mais uns tantos parágrafos, mas, corre a boca miúda que mais de duzentos mil euros foram gastos com o serviço de vinhos!

Vale só citar o Château Mouton Rothchild 2004, cujo rótulo é decorado com uma aquarela pintada pelo Rei Charles III no tempo em que ainda era Príncipe de Gales.

E o que mais me surpreendeu nesse cardápio foi a simplicidade!!!

Não nos insumos ou no serviço, mas na sua composição e apresentação!

Nada de sequência de doze pratos mirabolantes, com louças desenhadas por ceramistas pseudo-tibetanos, em montagens que precisam de um manual para entender como degustar e por onde começar a comer!

Nada de esculturas de brotos que aparecem como enfeites em muitos cardápios de instagramados chefs que não se atém ao sabor que esses brotos trazem e mudam totalmente a estrutura de sabor do prato.

Nada de azeite trufado!

Nada de caviar de ovas de peixe coloridas artificialmente.

Nada de cardápio com restrições ideológicas, afinal, a etiqueta manda que quando convidados, sigamos as normas do anfitrião... e se não quiser seguir, não aceite o convite!

Enfim, bom senso, bons produtos e bons preparos: entrada, prato principal, o queijo e a sobremesa!

Elegante e equilibrado!

Como dizem os franceses: “noblesse oblige”!

Tenho certeza de que Charles, o rei, está à espera de novo convite.

 

 

Para a capa do Portal (home) clique AQUI

Para receber nossas notícias, clique AQUI e faça parte do Grupo de WHATS do Imagem da Ilha.

Gostou deste conteúdo? Compartilhe utilizando um dos ícones abaixo!

Pode ser no seu Face, Twitter ou WhatsApp

Comentários via Whats: (48) 99162 8045 


Sobre o autor

André Vasconcelos

Cozinheiro raiz e autodidata, hoje no comando de sua Cozinha Singular Eventos e d'O Vilarejo Hospedaria e Gastronomia, onde insumos e técnicas são a base de cardápios originais e exclusivos... e aprendiz de escritor também!


Ver outros artigos escritos?