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Chuva de prêmios, por André Vasconcelos

A escolha do público para premiar a melhor cozinha, ou chef de cozinha, pode ter resultados surpreendentes (Foto: Internet/ Reprodução) **Clique para ampliar

Publicado em 07/12/2023

Estamos no fim do ano e, como acontece em quase todos os anos, está aberta mais uma temporada de "caça ao prêmio".

Prêmio de melhor jogador, de melhor técnico, de melhor juiz.

Prêmio de melhor ator, atriz, diretor.

Da APCA, do SBT, do Hulk, do Serginho...

Prêmio de melhor cozinha de infinitas associações, organizações e revistas.

Prêmio talvez até de melhor prêmio.

Diante de tantos prêmios deviam criar um prêmio para os julgadores, ou, jogadores, que decidem estes prêmios, afinal, eles devem ser quase deuses.

O Oscar, da Academia Americana de Cinema, talvez seja uma exceção a esses prêmios, mas, mesmo assim, nem sempre justo.

No Oscar são os atores que escolhem e premiam os atores e os diretores escolhem e premiam os diretores, os técnicos de cada área escolhem os melhores trabalhos entre seus iguais, e todos escolhem para quem vai o prêmio de melhor filme.

Se fizessem isso com a gastronomia, provavelmente teríamos um gigantesco empate, cada chef teria um único voto: o dele próprio!

Em Cannes, assim como na Mostra de Cinema de São Paulo, o prêmio que mais vale como prêmio é a escolha do público, afinal, todos assistiram aos filmes e têm direto a votar no que consideram o melhor.

A escolha do público para premiar a melhor cozinha, ou chef de cozinha, pode ter resultados surpreendentes.

Se o público votasse mesmo, provavelmente o melhor prato seria o sarapatel da Dona Edite lá do Largo Treze, em São Paulo, porque tem muito mais público do que qualquer restaurante três estrelas do Michelin.

Ou, talvez, a dobradinha servida aos sábados em um boteco ao lado do estádio Orlando Scarpelli, em Floripa.

E, por falar em Michelin, esses julgadores, sim, são deuses, pois com a simples adição ou subtração de uma estrela, decidida por um “expert', é capaz de arremessar um restaurante ao Olimpo, ou as catacumbas de Tróia.

Se é que em Tróia tinha catacumbas!

Além do mais, acho que todos que concorrem a esses prêmios deveriam ter o direito de optar por ser julgado ou não, afinal, ir a júri obrigatoriamente só quando cometemos um crime, e ser um restaurante não é um crime, mesmo tendo consciência que muitos fazem de sua cozinha uma arma perigosa.

Não foram poucas as vezes que, como no filme Burnt, onde Bradley Cooper se transformava com a presença de um provável critico gastronômico, eu me apavorei com a presença de um provável critico, ou julgador, no salão do meu Bistrô ao longo de mais de duas décadas.

Em Rattaouille, o crítico tem o papel mais marcante na narrativa que os protagonistas, como parece que acontece na vida gastronômica real.

Mas quando se submete a um número determinado de restaurantes a uma votação do público, o resultado pode ser mais desastroso ainda: se os “não sei quantos” mil que votam realmente frequentassem os restaurantes em que votam, teríamos um público recorde em todas as casas e salões, como refeitórios de multinacionais.

O voto muitas vezes é pela presença constante do chef/restaurante nas colunas sociais e revistas elitizadas, isto é, etilizadas quer dizer: especializadas.

Como um aventureiro que sou, um aventureiro guloso, um guloso que gosta de comer bem e um cozinheiro autodidata, frequento muito os mais variados tipos de restaurantes e, confesso, nos mais ignorados pelos jogadores de prêmios, isto é, julgadores, foi onde mais me surpreendi.

Algumas vezes pela simplicidade da apresentação que combinava o marrom claro do feijão carioquinha com o arroz em forma de pudim salpicado com salsa, o bife malpassado com um ovo de gema mole alaranjada brilhante... isso para não falar do aroma.

Outras vezes, a ousadia, quase absurda, em combinações bizarras que levariam ao desespero os mais clássicos. Como o fígado em tirinhas com ervilhas frescas e iogurte servido em um balcão qualquer na Avenida São João... este me foi indicado por um chef premiado que disse que negaria até a morte se um dia revelasse que a dica foi dele... mas não foi o único premiado que encontrei nesses cantos encantadores.

O gnocchi feito grosseiramente com semolina e passado numa frigideira velha e sem nenhum glamour no nome, com manteiga queimada e folhas de sálvia fresca, já levou muitos premiados às nuvens em fins de noites em um restaurante popular dos Jardins, em São Paulo, quase vizinho aos grandes premiados.

Todos esses prêmios mais confundem que informam.

Achar que um premiado não tem um padrão de cozinha à altura de seu prêmio é sempre julgado como inveja e descaso.

Um leigo não gostar da 'espuma de sal do Caribe no inverno de 42' criada por um premiado, não é considerado como um simples 'não gostar` e, sim, como falta de cultura gastronômica.

O ruim mesmo é ter esses prêmios como referência única de gastronomia e colocar o sabor e o gosto pessoal à mercê dos julgadores e segui-los porque assim o são.

Certo é Abilio Diniz que assume que a melhor comida do mundo é o sanduíche que faz rapidamente em sua cozinha quando chega tarde do trabalho.

Prêmio para ele e para todos os que se sentem premiados por serem livres e comerem realmente o que lhes dá prazer.

Pode ser o feijão com farinha e ovo, ou o foie gras com Sauternes.

Mas o que vale é o prazer, tanto do que aprecia, como do que cozinha!

E que venham os prêmios, não como verdade única, mas como reconhecimento à carreira de alguns que realmente são merecedores por sua carreira e por seu talento...

 

 

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Sobre o autor

André Vasconcelos

Cozinheiro raiz e autodidata, hoje no comando de sua Cozinha Singular Eventos e d'O Vilarejo Hospedaria e Gastronomia, onde insumos e técnicas são a base de cardápios originais e exclusivos... e aprendiz de escritor também!


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