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Ele deixou rastros para ser lembrado, por Amanda Lima

Foto: Internet/ Reprodução **Clique para ampliar

Publicado em 16/06/2023

Só é lembrado quem é visto ou você acha melhor deixar “rastros" de você para ser lembrado?

Tive um paciente de 85 anos, hoje já falecido, a quem eu cultivava um grande afeto. Gostava das histórias dele, da independência (ele ia para o consultório de táxi), do romantismo (andava com foto da esposa - já falecida - na carteira), do visual e do autocuidado (sempre com gel no cabelo, perfumado, lapela no bolso). 

Ele vinha com frequência ao consultório. Certo ano, por estar perdendo muito peso e, também, sustentação muscular facial - os músculos do seu rosto já estavam perdendo tônus e isso aumentava porque ele não tinha dentes e usava prótese total (dentadura) -, me disse que queria fazer uma nova prótese (dentadura) superior. 

Certo, relutei um pouco, pois a última tínhamos feito há 3 anos e estava em boas condições. Mas ok, fizemos. Ele me disse que era pra casa da praia. 

Oi? Ok. 

No ano seguinte, ainda com a prótese (fazendo 4 anos) em boca, apareceu querendo mais uma dentadura. 

"Mas como, sr. José*? A prótese que fizemos está boa ainda. É aquela do ano passado, da casa de praia?", eu disse.

“Ah doutora, tá tudo ótimo. Aquela da casa de praia do meu filho está lá, agora preciso de uma pra outro lugar", ele falou.

Achei curioso. Pensei comigo: "ele deve gostar de ter uma prótese em cada lugar". 

Expliquei que não precisávamos, e que podíamos ter uma bolsinha para carregar onde ele fosse, para não perder. 

Ele disse: “dra, vamos fazer uma nova”. 

Creio que um ano e meio se passaram e eu não ouvi mais sobre ele. Enviei mensagem no celular dele (sim, ele tinha quase 90, tinha um celular e usava redes sociais), mas sem sucesso.

Ano passado, recebi uma mensagem do neto dele, no WhatsApp, dizendo que riu e chorou ao mesmo tempo. Que fez um jantar em casa para alguns amigos e que, ao abrir uma gaveta, procurava uma faca específica, e encontrou a dentadura do avô. E embaixo, um cartão meu, de dentista. 

Riu, achou graça. Mas se emocionou ao pensar que, há pouco tempo, o avô chegou para dormir no novo apartamento do neto e disse ter feito "até uma prótese nova para o momento”. 

Pelo visto ele encontrou. E manterá como um lembrete do avô que, na pandemia, partiu. Mas, antes disso, lembrou de deixar algo seu - fisicamente - para ser (ainda mais) lembrado. 

Dentista Amanda Lima
@dentistaamandalima


*nome alterado para manter privacidade na história 

 

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Sobre o autor

Amanda Lima

Cirurgiã dentista - Especialista em prótese dentária / Pós graduada em odontogeriatria


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