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Manuel Bandeira vê sua estrela na infinita solidão, por Luzia Almeida
Somente o poema consola a ausência do amor

Para o poeta, a sua solidão é notificada com este único brilho celeste que subentende bilhões (Foto: NEFA/Internet) **Clique para ampliar

Publicado em 17/12/2023

O Romantismo aconteceu no final do século XVIII e seguiu até o início do século XIX, mas até hoje sentimos seus efeitos e discutimos saudades e aflições. No sentido da saudade, uns corações procuram abrigo em diferentes nortes, outros acendem uma vela para espantar as trevas e procuram uma caneta para ludibriar a solidão porque somente o poema consola a ausência do amor. Assim, Manuel Bandeira escreveu “A estrela” e se juntou a nós, eternos românticos, nesta comédia que é humana.

Ver é verbo-bandeira: “Vi uma estrela tão alta, / Vi uma estrela tão fria! / Vi uma estrela luzindo / Na minha vida vazia”. Ver uma estrela não é para profissionais! São para os “irmãos das coisas fugidias”. Ver uma estrela é para além do infinito porque brilhar embriaga e uma estrela supera o vinho e está sempre tão longe, tão longe que às vezes sentimos que não podemos alcançá-la. Isto é trágico porque somos feitos de desafios uma vez que a distância dessa convoca o vazio da existência e a criatividade poética simultaneamente... eis a questão! Ninguém que está feliz pensa em estrelas, há tantos mil quilômetros... E sua distância deixa-a insuportável ao adotar um caráter de frieza como se nos olhasse de cima para baixo e falasse: “Pobres mortais! Eu sou uma estrela embora esteja acompanhada de bilhões de irmãs”. Ela também é mortal, mas não se importa... É desesperador! Sim, para o poeta, a sua solidão é notificada com este único brilho celeste que subentende bilhões — aqui não há hipérbole. A ausência de hipérbole agrava a nudez do poeta no que se refere aos sentimentos e às vozes. Nada a declarar para quem tem o diálogo de plantão é extremamente doloroso. Nada a dizer no café da manhã é insuportável. Pobre poeta! Sua estrela é “tão fria!” Todavia há silêncio e musicalidade nas palavras que vão destilando um azul-bic-estrelar dos dedos até as linhas. Não era “uma ideia toda azul” como a da Marina Colasanti, não ficou guardada.

“Era uma estrela tão alta! / Era uma estrela tão fria! / Era uma estrela sozinha / Luzindo no fim do dia”. Distância, frieza, solidão e crepúsculo marcam esta estrofe e consome um náufrago na cadência da simbologia romântica: o lirismo, a dor de existir, o tom confessional, a consciência da solidão e a melancolia... Esses elementos vão traçando um navio à deriva num mar revolto diante do céu de uma estrela só. O romantismo que se percebe no poema de Bandeira acena luzes de uma época própria do homem e que nunca vai acabar: uma época da solidão. Essa identidade abraça a dor romântica e causa lágrimas em muitas páginas. Lágrimas e questionamentos que vão perturbar o artista.

“Por que da sua distância / Para a minha companhia / Não baixava aquela estrela? / Por que tão alta luzia?”. Esses questionamentos fazem parte de uma mente inquieta à procura de si e do outro ser que poderia dar-lhe a mão e o beijo nupcial. Questionamentos que não ficam sem resposta: “E ouvi-a na sombra funda / Responder que assim fazia / Para dar uma esperança / Mais triste ao fim do meu dia”. Assim, tudo se perde. A esperança ganha um aspecto melancólico e inédito. O verde se embriaga com o vinho numa “noite na taverna” com Álvares de Azevedo e seus amigos num diálogo soturno de aflição.

Sofrer é preciso, sofrer é a semente da poesia e porque a estrela era inalcançável, o poeta convoca a solidão para se extravasar numa página branca, mas sem lua.

 

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Sobre o autor

Luzia Almeida

Luzia Almeida é professora, escritora e mestra em Comunicação


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