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Tragédia anunciada, por Fernando Teixeira

Detalhe das vias internas do loteamento no Córrego Grande (Fotos: acervo pessoal) **Clique para ampliar

Publicado em 15/12/2022

As fortes chuvas ocorridas há duas semanas na região metropolitana de Florianópolis, além de ocasionarem sérios prejuízos à estrutura urbana dos municípios que a constituem, atingiram de maneira trágica inúmeras famílias instaladas em locais cuja vulnerabilidade social é vista de forma mais acentuada.

Esse problema, que já é recorrente em boa parte dos municípios brasileiros, escancara uma situação que vem sendo amplamente debatida por aqueles que se debruçam em estudar os ambientes urbanos: a ausência sistemática de ações de planejamento e controle, que possam garantir um desenvolvimento de nossas cidades de maneira a se afiançar às atuais e futuras gerações condições adequadas para a realização de suas mais variadas atividades.

Em Florianópolis, a discussão que permeia a revisão do Plano Diretor Municipal vem se arrastando por um longo período e, somente neste último ano, parece ter tomado algum fôlego. Após a realização de audiências públicas em diferentes distritos de Florianópolis, as comunidades puderam sugerir a incorporação de questões importantes que complementam as condicionantes técnicas neles contidas.  


 Vista geral do empreendimento localizado no bairro Córrego Grande

Vencida essa etapa, o plano poderá seguir para a Câmara Municipal, onde será apreciado e votado pelos representantes legislativos. Esse hiato, provocado pela dificuldade em se promover uma atualização permanente das leis que regulamentam o uso e a ocupação do solo e o crescimento real do município, invariavelmente acarreta problemas de difícil solução, muitos deles irreversíveis.

O que se tem visto nas últimas décadas é uma constante ocupação de áreas ambientalmente frágeis e que, por si sós, já exigiriam, por parte do poder público municipal e demais organismos de controle ambiental, um cuidado todo especial quanto à sua preservação e manutenção.

Evidentemente que isso não é de hoje. Na década de 1990, quando desenvolvia minha dissertação de mestrado, a qual tinha como preocupação estudar as intervenções urbanas em áreas de preservação permanente, pude reafirmar, através das análises realizadas, algo que já percebia intuitivamente: uma enorme falta de sintonia entre as instituições que têm por compromisso o cuidado com o meio ambiente.


Supressão de vegetação e exposição do solo, facilitando o carreamento de terra para as partes mais baixas do bairro

 

Essa desarticulação entre os organismos, somada a um ineficaz processo fiscalizatório, tendo ainda a possibilidade de favorecimentos políticos por parte de agentes públicos na liberação de alvarás como algo a ser considerado, faz com que alguns empresários, não comprometidos com o interesse coletivo, se aproveitem da situação, executando obras em desacordo com o que estabelece a legislação, especialmente a que trata das questões ambientais. Recentemente, em função das chuvas anteriormente mencionadas, o bairro Córrego Grande, um dos mais tradicionais de Florianópolis, vivenciou, na prática, uma verdadeira catástrofe.


A lama que invadiu a principal rua do bairro Córrego Grande (João Pio Duarte Silva)

 

A implantação de um loteamento condominial, que já vem sendo executado há algum tempo em uma área mais elevada da região, ocasionou expressiva supressão da vegetação ali existente, deixando o solo exposto, sem proteção. Com a força das águas, uma grande quantidade de terra foi sendo carregada para as ruas localizadas na parte mais baixa do bairro, deixando-as submersas em um imenso volume de lama.

Mesmo possuindo as licenças necessárias para sua execução, houve protestos por parte dos moradores locais quanto à sua implantação, inclusive tendo sido dada, à época, entrada no MPF de uma Ação Civil Pública, tentando barrar as irregularidades observadas. Nem mesmo os “compromissos” firmados pelo empreendedor, estabelecendo cuidados com o meio ambiente e expostos em placa afixada no local, parecem ter sido suficientes para conter essa tragédia anunciada.


Nem mesmo a pequenas servidões ficaram imunes ao material carreado pelas águas

 

Menos mal que agora, considerando os últimos acontecimentos e os estragos provocados na região, a Justiça Federal determinou a suspensão imediata de qualquer nova intervenção na área em que está sendo construído o condomínio. A decisão é da Juíza Marjorie Freiberger, da 6ª. Vara Federal de Florianópolis, em ação movida pelo Ministério Público Federal e Associações Comunitárias contra o município, órgãos de fiscalização ambiental e a empresa responsável. 

Não são raras as situações em que é preciso que algo de muito anormal aconteça, para que providências venham a ser tomadas. No entanto, nada disso seria necessário caso a legislação ambiental tivesse sido observada e respeitada na sua integralidade, e se os organismos públicos responsáveis por todas as licenças necessárias tivessem dialogado, buscando o entendimento comum sobre os riscos inerentes à implantação de um empreendimento dessa natureza em local cuja fragilidade é mais que incontestável.                          

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Sobre o autor

Fernando Teixeira

Formado em Arquitetura e Urbanismo (UFSC), mestre em Geociências e Doutor em Educação Científica e Tecnológica (UFSC), natural de Florianópolis. Atualmente tem se dedicado à fotografia.


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