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A natureza como protagonista
Projetos urbanísticos das próximas décadas exigem olhar direto para a natureza

Enxergar as cidades como “organismos vivos”, com estruturas verdes funcionais, é uma mudança de perspectiva, segundo especialistas (Foto: Internet/ Casa e Mercado/ Reprodução) **Clique para ampliar

Publicado em 03/01/2024

Fazer das cidades “organismos vivos”, onde a infraestrutura verde nos bairros e espaços urbanos cumpre papel essencial de controle ambiental, climático e de qualidade de vida é o grande desafio urbanístico das próximas décadas, de acordo com os arquitetos Felipe Guerra e Débora Ciociola, do escritório Jaime Lerner Arquitetos Associados (JLAA).

“Mais do que simplesmente incorporar elementos verdes, essa abordagem redefine a própria essência do design urbano, onde a natureza não é apenas uma componente, mas o personagem principal”, assinala. Guerra acrescenta que os projetos urbanísticos das próximas décadas precisam contemplar uma mudança de perspectiva, para que as cidades se tornem “organismos vivos e respiráveis” e o meio ambiente seja a estrutura vital de cada projeto.

Cada estrutura verde é pensada para compor o espaço urbano com funcionalidade, acrescenta Débora. “Não é simplesmente desenhar a área de um bairro planejado e depois colocar planta ou praça. É começar ‘de baixo para cima’, permeando a natureza com a parte urbanizada”, explica. Essa integração ‘verde’ dos espaços é o que garante o fluxo dos animais, insetos e pássaros nativos da localidade com conectividade ambiental, continua a arquiteta.

Criar cidades mais humanizadas é o grande desafio do urbanismo. De acordo com o Relatório Mundial das Cidades 2022 da ONU-Habitat, as cidades vão receber 2,2 bilhões de novos habitantes até 2050. No ritmo estimado de crescimento das cidades, a população urbana mundial vai aumentar dos atuais 56% (dados de 2021) para 68% em 2050. Essa expansão vai tornar mais complexos os desafios de sustentabilidade, inclusão e habitabilidade, segundo a ONU-Habitat.

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“As cidades não existem isoladas dos desafios globais. A emergência da urbanização como uma megatendência global está interligada aos desafios existenciais que o mundo tem enfrentado nos últimos 50 anos, incluindo as alterações climáticas, o aumento da desigualdade e o aumento dos vírus zoonóticos, sendo o mais recente a pandemia do novo coronavírus (2020)”, de acordo com o relatório.

Cidade-esponja

Na vertente da sustentabilidade, as questões climáticas estão no centro das discussões e a existência de infraestruturas verdes no planejamento urbano vai além de funções paisagísticas, destaca o arquiteto.

Aplicando os conceitos de “cidade-esponja” (estruturas que absorvem o excedente da água de chuva) e “desenhar com a água” (soluções técnicas integradas à criação de paisagens), essa nova abordagem urbana prevê o uso de jardins de chuva, canteiros e lagoas pluviais como parte importante no combate aos alagamentos nos bairros provocados por chuva em excesso, uma ocorrência cada vez mais frequente nas cidades.

Parques e praças, áreas de preservação permanente (APPs), tetos verdes e arborização do sistema viário também fazem parte das soluções verdes, cita Guerra. “Essas estruturas são pensadas para ajudar a resolver problemas associados à água, ao clima e à ecologia urbana, além de respeitar a identidade local dos espaços públicos.”

Nesse conceito, no Vivapark, bairro-parque da cidade de Porto Belo (SC) entregue ao público pela incorporadora Vokkan no início de novembro e projetado pela JLAA, o uso das estruturas verdes seguiu critérios de ocupação sustentável e integração com a natureza.

A JLAA projetou o bairro como uma estrutura de macrodrenagem que absorvesse o excedente das águas pluviais, ajudando a evitar alagamentos. Trata-se de uma solução sistêmica e integrada de diversas áreas permeáveis no bairro (jardins, canteiros, praças, árvores), um grande mosaico verde para absorver a água da chuva, explica Débora. Outro destaque do projeto é o parque central do Vivapark, cujas lagoas de contenção recebem o excedente da água das chuvas e agregam valor à paisagem.

Mais acessibilidade e segurança

Além da questão ambiental, a qualidade de vida nas cidades é parte importante dos projetos. No modelo de "cidade dos 15 minutos", os moradores têm acesso diário ao lazer, trabalho e compras básicas em um curto raio de distância da sua casa e que pode ser percorrido em poucos minutos.

O modelo traz impacto positivo para o meio ambiente e relacionamentos, segundo Guerra. “Reduzindo significativamente as necessidades de deslocamento, caem também as emissões de carbono, ao mesmo tempo em que se estimula uma comunidade local mais unida e engajada.”

Outro conceito, o de “fachadas ativas", trabalha com a ocupação das ruas como forma de socialização e segurança. “A ideia das fachadas ativas, onde os moradores se sentem estimulados a ocupar o entorno e aproveitar a infraestrutura local, é como os "olhos da cidade". A comunidade se envolve ativamente no cuidado e na preservação do ambiente urbano”, observa o arquiteto.

Identidades locais

Para reforçar o pertencimento, é essencial que se busque a integração do meio ambiente com as características locais, comenta Débora. “Quando se planeja cidades, é crucial considerar as identidades para criar lugares únicos, ancorados na cultura e história de suas comunidades, onde os habitantes se sentem verdadeiramente conectados.”

O resultado dessa integração é a criação de referências de identidade, expressas por meio de “acupunturas urbanas” - projetos pontuais que refletem estes aspectos, bem como de referências espaciais - criadas a partir dos espaços verdes públicos, explica a arquiteta. “As pessoas criam vínculo com o lugar e dizem: ah, moro perto do parque ou em frente à praça, ou a dois passos do mirante. É importante criar referências urbanas e identidades no território para celebrar as pessoas e o novo lugar.”

Da redação

 

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