Paz e poesia no contexto de Janeiro Branco, por Luzia Almeida
Janeiro Branco chegou (Campanha que tem por objetivo a conscientização e a promoção da saúde mental e emocional) e o poema “Profundamente” de Manuel Bandeira ajusta-se perfeitamente a esta campanha porque apresenta as marcas das dores e da superação. O poema apresenta o cenário cultural das festas de São João numa dinâmica de saudade transformada em poesia. O eu lírico lembra momentos da infância e aponta perdas em forma de vozes que foram silenciadas.
Nesse sentido, a psicóloga Margarete Moreira afirma que “a dor humana tem conteúdo, mas muitas vezes não tem continente” e lidar com essa dor não é fácil. Às vezes, ela se apresenta em forma de silêncio, tanto silêncio pode se transformar em gritos. Saber lidar com o silêncio exige habilidade e resiliência. Precisamos conviver com os dilemas, com as perdas e com as situações de pressão. Essas questões também são reveladas no poema de Bandeira: “Onde estavam os que há pouco / Dançavam / Cantavam / E riam / Ao pé das fogueiras acesas? / — Estavam todos dormindo”.
Elementos culturais se ajustam ao tempo e à vida que segue como um trem sem escalas. Cada vagão leva uma saudade, uma voz, uma vida que era como uma fogueira acesa. É por isso que Mário Quintana traz essa ideia de chamas: “A vida é um incêndio: nela / dançamos, salamandras mágicas / Que importa restarem cinzas / se a chama foi bela e alta?”. Sim, que importância tem as cinzas, se houve vida? Essa ideia de viver de modo vermelho e descartar o cinza é muito eficiente para quem quer ver se cumprir sonhos e projetos. A parada sobre as cinzas não pode ser por tempo indeterminado. A vida é urgente, é hoje e precisamos cantar com Quintana: “Em meio aos toros que desabam, / cantemos a canção das chamas! / Cantemos a canção da vida, na própria luz consumida...”. O poema “Inscrição para uma lareira” tem a natureza da resiliência e nos convida a dançar, não como loucos embriagados, mas como seres racionais que percebem além as cinzas. Em Quintana o verbo é cantar, embora haja cinzas e perdas de vozes que eram verdadeiras canções de ninar. Cantar porque no quintal a flor da pitaia promete uma beleza exuberante para esta noite e há uma seleção de livros esperando na estante.
Em Manuel Bandeira, o verbo é adormecer. E perder uma festa é tão natural para uma criança que chega a causar simpatia. No poema, adormecer tem significados temporais de resistência e é também um eufemismo: numa festa de São João, na idade adulta, o eu lírico decodifica a verdade da dor que é superada.
O poema “Profundamente” de Manuel Bandeira não se afunda numa nostalgia barata. Há um eufemismo que traduz a saudade das vozes que se foram e são ouvidas apenas na memória. Cada voz com seus timbres próprios de vida e de luz: “Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo / Minha avó / Meu avô / Totônio Rodrigues / Tomásia / Rosa / Onde estão todos eles?”. No cenário da memória há ausências significativas que são transformadas em poesia: “— Estão todos dormindo / Estão todos deitados / Dormindo / Profundamente.”. Dormir na memória do poeta lembra os bosques da Arcádia e a simplicidade de uma vida nos braços do ser amado.
Mergulhar profundamente no Janeiro Branco requer atitudes de paz para que os sonos sejam tranquilos: “Bem aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus.”. Paz é uma palavra que faz dormir e cantar.
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Sobre o autor
Luzia Almeida
Luzia Almeida é professora, escritora e mestra em Comunicação
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