Vacina personalizada contra câncer: o que sabemos até agora?
O Ministério da Saúde da Rússia anunciou o desenvolvimento de uma vacina contra o câncer baseada na tecnologia de RNA mensageiro (mRNA), que será distribuída gratuitamente aos pacientes no país a partir de 2025. A iniciativa, conduzida em parceria com diversos centros de pesquisa, foi divulgada pela agência de notícias Tass.
A vacina oncológica utiliza uma abordagem altamente personalizada, na qual o sistema imunológico é treinado para reconhecer e destruir células tumorais específicas. A fórmula é desenvolvida a partir da análise genética do tumor de cada paciente, gerando instruções individualizadas para o organismo identificar e atacar as células malignas.
“A tecnologia de mRNA já demonstrou seu potencial no combate à covid-19 e agora desponta como uma ferramenta promissora na oncologia. Este avanço é um marco que pode transformar a forma como tratamos o câncer, permitindo a criação de terapias individualizadas baseadas no perfil genético das células tumorais de cada paciente”, explica o oncologista Carlos Gil Ferreira, diretor médico da Oncoclínicas&Co.
O que sabemos até agora
Segundo Alexander Gintsburg, diretor do Centro Nacional de Pesquisa de Epidemiologia e Microbiologia Gamaleya, os testes pré-clínicos indicaram que a vacina anunciada pelo governo russo é capaz de suprimir o desenvolvimento de tumores e impedir a formação de metástases. Contudo, ainda não foram divulgados detalhes sobre os tipos específicos de câncer que poderão ser tratados com a nova tecnologia.
Carlos Gil aponta que, embora as vacinas oncológicas ainda estejam em fase de desenvolvimento, estudos recentes apresentados nos principais congressos globais sobre o câncer já haviam indicado sinais promissores. A exemplo disso, ele cita que em 2023, uma pesquisa publicada na revista Science Translational Medicine demonstrou resultados positivos com o uso de vacinas de mRNA no tratamento e na prevenção do glioblastoma, um tipo de câncer cerebral altamente agressivo. Na edição deste ano da ASCO, o congresso americano de oncologia clínica, considerado o maior e mais relevante da especialidade, o uso de um imunizante destinado ao tratamento do melanoma - um tipo de câncer de pele agressivo - também foi recebido de forma positiva pela comunidade médica.
“Ao contrário das vacinas tradicionais, que têm caráter preventivo, as vacinas contra o câncer são terapêuticas e projetadas para tratar a doença já existente. Esse tipo de imunizante oferece ao corpo humano uma maior capacidade de reconhecer e combater tumores específicos, representando uma nova era nos tratamentos oncológicos”, complementa Carlos Gil.
Uma segunda aposta: EnteroMix
Além da vacina de mRNA, o Ministério da Saúde da Rússia também revelou outra inovação no combate ao câncer: a vacina EnteroMix, uma abordagem baseada no uso de vírus oncolíticos — organismos não patogênicos capazes de destruir células tumorais enquanto ativam a imunidade do paciente.
Os primeiros testes clínicos da EnteroMix estão programados para acontecer ainda neste final de 2024 e no início de 2025. Assim como na vacina de mRNA, detalhes sobre sua eficácia e os tipos de câncer que poderá tratar ainda não foram divulgados.
Futuro promissor, mas com desafios
Apesar do entusiasmo em torno das novas tecnologias, especialistas ressaltam que o uso de vacinas personalizadas contra o câncer representa desafios técnicos e logísticos, especialmente em relação à escalabilidade e ao custo de produção.
“Embora as vacinas de mRNA sejam uma evolução significativa, a aplicação contra o câncer exige a personalização de cada dose, o que as diferencia radicalmente das vacinas preventivas de aplicação em massa, como as da covid-19. Esse avanço sinaliza um futuro com alternativas de tratamento mais eficazes, mas não sem obstáculos a serem superados. É preciso avançarmos no entendimento de como garantir acesso com equidade a essas inovações”, pondera Carlos Gil.
Se os resultados forem confirmados nos testes clínicos, a iniciativa russa poderá abrir novas perspectivas no combate ao câncer e estabelecer um marco global na adoção de vacinas terapêuticas. O mundo agora aguarda os desdobramentos dessas pesquisas, que prometem redefinir o enfrentamento de uma das doenças mais desafiadoras da medicina moderna.
Da redação
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