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QUANDO LIMPO VIROU UMA PALAVRA SUJA


Publicado em 12/11/2013

Lendo um artigo da Wine Spectator, escrito por Harvey Steinman, deparei-me com um tema que estou pensando muito ultimamente: a guerra entre vinho autêntico e vinho maquiado, terroir versus manipulação e outros termos que poderia usar para definir uma parte dos enófilos que de uma hora para outra resolveram gostar de tudo, tudo mesmo, que seja produzido em baixa escala, que seja “natural” e que, mesmo denotando aromas sujos e gostos estranhos, são reconhecidos como excepcionais “vinhos autênticos”.

O título deste artigo remete às empresas que fazem vinhos limpos, sem defeitos, mas, por um lado, são tratados como padronizados, e que encontram diversos críticos em relação a este fato. Ora, são empresas que detêm padrões de produção e atendem um consumidor que pede por aquele estilo. Seria difícil produzir vinhos que variam muito de ano para ano, quem diria de uma garrafa para outra.

O exemplo citado foi de um vinho que reflete totalmente o terroir em que está: quente e seco, com videiras centenárias, cultivadas organicamente, mas que é um vinho limpo, produzido com assepsia total e buscando um consumidor que gosta desse estilo de muita fruta, álcool elevado e macio.
Acredito e gosto muito dos vinhos orgânicos, naturais, de pequenas empresas, ou até mesmo das grandes, que têm um projeto específico para produzir alguns vinhos em menor escala, refletindo uma proposta individual do enólogo, mais “de autor”. Mas, não sou cego em afirmar que já degustei muita coisa ruim, que é cultuada por sommeliers e escritores somente pelo fato de ser um produtor pequeno e não comercial, como eles gostam de dizer.

Todos os estilos podem produzir vinhos incríveis, isso é fato. O paladar é que escolhe o que te dá mais prazer. Posso me considerar uma pessoa versátil na hora de degustar vinho, gosto dos vinhos frutados, diretos e cheios, macios, mas os vinhos minerais, com aromas mais rudimentares e uma acidez mais viva me chamam muito a atenção, até mesmo um toque de brett, pra mim, não faz mal nenhum. E o brettanomyces é um fungo que é considerado por muitos um defeito, mas para outros é “terroir”, é necessário. Claro, aquele aroma de terra, ou o famoso aroma de estábulo associado ao brett, apela a quem realmente gosta desse tipo de lembrança, e tudo depende da sua potência.

No final das contas não é o brett, a fruta em evidência ou o vinho limpo que vão decidir se um vinho é bem feito ou não, se reflete o terroir ou não. As variáveis e possibilidades são infinitas quando falamos em vinificação e a filosofia de cada produtor vai ser decisiva para isso, cada um querendo uma parte do consumidor.

O importante é um vinho bem feito, porque durante esses anos já degustei muito vinho mal feito produzido em instalações fantásticas e muito vinho sensacional produzido em garagens de casa, e vice-versa.

Só não concordo com o culto instantâneo que se dá a qualquer “vinho de garagem” e a crítica instantânea a qualquer grande empresa. Não podemos ser radicais, afinal, alguns gostam de Pinot Noir, outros de Tannat.
 


Sobre o autor

Eduardo Machado Araujo

Certified Sommelier - Court of Master Sommeliers


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