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Aquecimento global
A influência da alta temperatura local na produção de vinhos mundo afora

As zonas mais altas da Borgonha, na França, estão ficando cada vez mais procuradas para diminuir o efeito do calor e manter o frescor das uvas (Foto: Reprodução)

Publicado em 29/11/2018

Muita gente ainda reluta em acreditar no fenômeno do aquecimento global, seja ele causado pelo homem ou não. Ainda existem pessoas que acreditam que a terra não é redonda. Mas, independentemente de qualquer crença, é impossível negar que temos cada vez mais anos com temperaturas altas e batendo recordes históricos, causando secas, perdas enormes para a agropecuária, tempestades e incêndios gigantescos.

Se formos criar paralelos com os terroirs produtores de vinho, o aquecimento global, na maioria das vezes, é um cenário catastrófico. Regiões clássicas, como Champagne e Borgonha, por exemplo, podem perder seu encanto. Regiões que já são secas, como Mendoza (Argentina), Califórnia (Estados Unidos) e alguns cantos da Austrália podem desaparecer. Mas, regiões úmidas e muito frias para a produção de vinhos, como algumas áreas do Brasil e da Inglaterra, podem se beneficiar tendo safras mais secas e melhores ou viabilizando a produção de vinhos de qualidade.

Isso já acontece no sul da terra da Rainha, onde alguns produtores de Champagne têm buscado terras apostando no futuro e produtores locais já produzem alguns espumantes incríveis. As zonas mais altas da Borgonha estão ficando cada vez mais procuradas para diminuir o efeito do calor e manter o frescor. A acidez natural que é típica do local, e as casas de Champagne, estão fazendo cada vez mais vinhos tranquilos com um pouco mais de corpo e acidez controlada. Recentemente, uma das mais reconhecidas casas, a Louis Roederer, indicou o lançamento de vinhos sem as típicas borbulhas.

No Japão, por exemplo, a experiência de produção em locais com muito calor e umidade - uma combinação horrível - fez os produtores locais desenvolverem métodos de prevenção e diminuição desses efeitos, como proteção individual de cachos e a criação de uvas híbridas, como a Koshu, especialmente para resistir aos fungos de um clima desse padrão. 

Esse ano, visitando a Borgonha (França), novamente me deparei com uma das safras mais quentes e secas dos últimos anos. Alguns compararam com a safra de 2003, que foi o resultado de uma onda de calor pela Europa que gerou um estado de emergência. Na Borgonha, é prática comum a chaptalização, ou seja, a adição de açúcar no mosto durante a fermentação, para aumentar a graduação alcóolica dos vinhos e prolongar a maceração, extraindo mais cor e estrutura das leves variedades locais.
É comum realizar a colheita de uvas com 11%-11,5% de álcool potencial, e a acidez que se obtém é fantástica para as características que buscamos nos bons borgonhas, inclusive para o envelhecimento.

Nessa safra tivemos uvas colhidas excepcionalmente com cerca de 16% de álcool potencial, muitas acima dos 14% e, fugindo a regra, ao invés de chaptalizar, alguns produtores tiveram que acidificar seus mostos. Encontrar o equilíbrio foi mais difícil e exigiu muita experiência e as melhores posições de vinhedos.

No Brasil, 2018 foi também atípico e histórico. Numa região em que lutamos contra o excesso de chuvas, a seca e o calor são fundamentais para algumas das variedades mais tardias que produzimos. Vinhos com altíssima pigmentação, maturação de açúcar e ainda equilibrados geraram uma das melhores safras da nossa história.

Sabemos que essas mudanças irão pouco a pouco reescrever os livros e mudar as características trazidas como clássicas de algumas regiões. Mas, também, irão gerar novas regiões que até então eram muito frias ou úmidas para a produção de bons vinhos. Com certeza as especulações serão enormes: o sul da Inglaterra é a "nova Champagne"? E onde será a "nova Borgonha"?


Sobre o autor

Eduardo Machado Araujo

Certified Sommelier - Court of Master Sommeliers


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