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A INTOLERÂNCIA À INTOLERÂNCIA

Escalope de fois gras sobre compota de maçã

Publicado em 30/09/2015

Tempos confusos esses que vivemos: cada vez mais é mais fácil o acesso a informações e cada vez mais têm-se menos conhecimento: tudo é frugal, tudo é passageiro, tudo tem como lastro a internet que cria falsas verdades e mentiras reais. Criam-se grupos em redes sociais, ONGs e até religiões para defender ideias e opiniões e, em nome delas, fazem manifestos, atentados, protestos e até guerras.

Tive a infelicidade de presenciar, estupefato, um desses protestos onde o foie gras era o alvo, um protesto de um desses grupos radicais e intolerantes que acusam de especismo* todos que não pensam e agem como eles. Ativistas contra a crueldade da alimentação nos dias de hoje e contra o direito de um restaurante cozinhar o que eles não querem que seja servido. Será que sabem que essa iguaria é conhecida e apreciada há mais de cinco mil anos? Os egípcios já caçavam gansos e outras aves migratórias antes do inverno, quando estavam superalimentadas para alçar grandes voos em busca de terras mais quentes para reproduzir, tornando sua carne muito mais saborosa.

Na Roma de Horácio, gansos brancos eram alimentados com figos, ficatum em latim, para conferir textura amanteigada e sabor adocicado ao fígado da ave. Aliás, o nome fígado, o órgão, vem de figo, a fruta, exatamente por essa prática milenar. Hoje, essa engorda no cativeiro, a gavage, dura duas ou três semanas antes do abate. Ativistas alegam que esse processo é cruel, assim como a caça predatória também era, prática tal qual é a pesca das tainhas que saem das lagoas para desovar em mares mornos e são ‘caçadas’, pois é a época em que sua carne é mais tenra e suas ovas estão maduras, prontas para procriar.

Não sou um defensor do foie gras, sou um defensor do direito que as pessoas têm de consumir foie gras, assim como têm direito a comer proteína de soja, soja que é a causadora de grande parte do desmatamento da Amazônia. Sou defensor de comerciantes, e sou um deles, do direito de trabalhar, dos que lutam para sobreviver diante de uma crise criada por governos corruptos e incompetentes e que incompreensivelmente tem seguidores. Sou defensor de direitos respeitados e não só de obrigações impingidas em forma de impostos. Legalmente não existe alimento que não possa ser servido em um restaurante.

Tentaram em São Paulo: proibiram, temporariamente, o consumo do foie gras, o que só fez propaganda de algo que poucos conheciam e só fez aumentar seu consumo. E, se analisarmos friamente, qualquer alimento produzido em grande escala de alguma maneira é cruel: desmata, polui, mata, escraviza, destrói...

A única forma politicamente correta de nos alimentarmos é se voltarmos a ser nômades ou produzir tudo o que comemos, respeitando a sazonalidade dos produtos, pois tomates não nascem o ano todo, somente no verão, assim como os morangos nascem somente no inverno. É a lei da natureza, e deve ser crueldade forçá-la a produzir o tempo todo só para aplacar a arrogância de cada um comer o que quiser a hora que quiser. E ninguém tem direito de decidir como cada um vive, ama, veste, transa ou come! “A liberdade de cada um termina onde começa a liberdade do outro”, sem intolerâncias.

*especismo: espécie + ismo é o ponto de vista de que uma espécie, no caso a humana, tem todo o direito de explorar, escravizar e matar as demais espécies por serem elas inferiores. É a atribuição de valores ou direitos diferentes a seres dependendo da sua afiliação a determinada espécie.