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Presa no elevador, por Luzia Almeida
O elevador tem marcas de sufoco e, ainda que tivesse a chave, ele perdeu o rumo da porta.

A metáfora do elevador convida-nos a pensar em prisões e nos ensina que a disciplina por uma vida livre implica tomadas de decisões acertadas e escolhas amorosas independentes (Foto:Internet)

Publicado em 06/04/2024

       O romance “São Bernardo” de Graciliano Ramos, publicado em 1934, apresenta na personagem “Madalena” marcas sufocantes de quem já ficou preso em elevador. “São Bernardo” é o nome de uma fazenda e é também um elevador por conta de Paulo Honório, personagem tirano. Embora uma fazenda levante ideias de paisagens, o romance focaliza o perfil cavernoso do dono. A metáfora do elevador convida-nos a pensar em prisões e nos ensina que a disciplina por uma vida livre implica tomadas de decisões acertadas e escolhas amorosas independentes, porque a carência pode ser o algoz da liberdade: “— Parece que nos entendemos. Sempre desejei viver no campo, acordar cedo, cuidar de um jardim. Há um jardim, não? Mas porque não espera mais um pouco? Para ser franca, não sinto amor”. Ao aceitar uma relação sem amor, “Madalena” ficou presa num elevador.

          O tempo que passamos presos dentro de um elevador enguiçado interessa-nos em potencial, tanto por conta do ar atmosférico quanto pelo desejo de liberdade. Um minuto preso num elevador não é como um minuto de amor. No elevador, há um desdobramento físico que inunda o desfile dos ponteiros e, quem está fora, não tem noção dessa abrangência, dessa autonomia do tempo-de-dentro que se mostra rebelde com o padrão do tempo-de-fora. É paradoxal! O tempo-de-dentro zomba da gente dizendo: “Vocês não me conhecem!”. A existência é significativa a partir de um sufoco e a pior maneira de descobrir isso é preso num elevador. “Madalena” afundou no tempo-de-dentro: “Casou-nos o padre, na capela de S. Bernardo, diante do altar de S. Pedro”. Ela casou com “Paulo Honório”. Todavia, “Madalena” não estava sozinha no elevador (na fazenda) e por isso sofria mais ainda: “Tia Glória”, “Padilha”, “Casimiro”... Todos emparedados por um tirano enciumado. O sentido de estar preso pode ser compartilhado, mas não dividido. Quem está preso num elevador, pode ser solidário à medida que guarda sua angústia por respeito ao próximo que pode ser mais fraco. Como poderás saber que o outro está em desespero e segura o choro e o drama? Pessoas são diferentes, encaram a vida de modo diferente, encaram situações difíceis com histórico ou não. Um sofrimento compartilhado pode redimensionar a dor e a impotência pela responsabilidade ou desejo de libertar o outro. É como um sorriso de criança: completamente belo, mas sem efeito para abrir portas.

          Sorrisos e chaves têm significados dentro de contextos próprios. “Madalena” não tinha sorrisos nem chaves, por isso enlouqueceu com a infeliz ideia de morrer quando sua impotência se tornou insuportável. Era um tipo de “Ismália”, mas não subiu a torre, subir não era verbo pra conjugar na fazenda e ela declinou da esperança: “— Ofereça os meus vestidos à família de mestre Caetano e à Rosa. Distribua os livros com seu Ribeiro, o Padilha e o Gondim”. Isso era uma despedida, mas Paulo Honório tinha o poder das chaves, mas o caráter entorpecido: “Palavras de arrependimento vieram-me à boca. Engoli-as, forçado por um orgulho estúpido”. Sem arrependimento ele não pode socorrê-la.

          No endurecimento das convicções, “Paulo Honório” entrou no elevador que ele mesmo construiu, mas sem Madalena, somente com a companhia de uma amarga certeza: “Estraguei a minha vida estupidamente”. O elevador de “Paulo Honório” tem as marcas do sufoco deixadas por “Madalena” e, ainda que tivesse a chave, ele havia perdido o rumo da porta.

 

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Sobre o autor

Luzia Almeida

Luzia Almeida é professora, escritora e mestra em Comunicação


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