00:00
21° | Nublado

REFLEXÕES PROFUNDAS
Winter Sleep, a boa pedida para o inverno que está chegando

As irmãs Necla e Nihal dividem suas vidas com o dominador Aydin em um cenário de constantes discussões

Publicado em 23/06/2015

O cenário de Winter Sleep, filme que ganhou o Palma de Ouro no Festival de Cannes, é a Capadócia. E se já veio à sua cabeça aqueles imensos balões coloridos planando sobre uma região vasta de rochas ocres, ensolaradas e aparentes, esqueça. O diretor turco Nuri Ceylan revelou nesse trabalho uma nova face da Capadócia, menos conhecida e pouco vendável turisticamente, mas não menos bela. Cruelmente íngreme e gelada, a chamada Anatólia Central, na Turquia, tem no inverno rigoroso os seus muitos contornos cobertos de neve espessa e também de reflexões profundas sobre as relações humanas. Sim, prepare-se para um filme tão denso quanto longo – são exatas três horas e dezesseis minutos de projeção.

Aydin (Haluk Bilginer) é dono de um hotel na Capadócia e tenta mantê-lo sem alterar suas características originais e do entorno, como forma de continuar atraindo turistas aventureiros e abonados curiosos do mundo todo. O empreendimento, fruto da herança dos pais já falecidos, foi seu refúgio após a carreira frustrada como ator. Lá, vive dividido entre escrever uma coluna para um jornal local sem relevância e também fazer pesquisas para o projeto de um livro que pretende um dia escrever sobre o teatro turco. Aydin divide a vida com duas mulheres, a bela esposa Nihal (Melissa Sözen) bem mais jovem que ele, e a sua irmã, Necla (Demet Akbag) recentemente divorciada e entediada com a vida sem sentido que leva.

Os conflitos vividos pelos personagens são revelados pouco a pouco na trama, em diálogos longos e complexos. Nihal e Necla, cada uma infeliz à sua maneira, sentem-se oprimidas por Aydin, que, dono de uma personalidade cruel, fragiliza suas dependentes financeiras com um certo domínio intelectual sobre elas e também sobre os amigos, empregados e pessoas de uma comunidade que convivem há séculos sob o comando de sua família. As discussões, que passam por este questionamento da dependência, da opressão e do desconforto causado, não são violentas. Ao contrário, correm num tom de formalidade e de constrangimento que evoluem na velocidade da maturação do espectador. É como se a quem assistisse também lhe fosse assegurado o tempo necessário para formular suas questões, associar ao seu próprio mundo, e devolver um posicionamento ao diálogo travado entre os personagens. Os temas, profundos e muito bem argumentados, emergem e voltam a submergir numa gangorra sem fim. Religiosidade, compaixão, filantropia, riqueza, pobreza, consciência. Nada é absoluto, maniqueísta ou muito menos definitivo. Tal como são as relações humanas.

A obra-prima de Ceylan tem sido generosamente aceita pelos mais temidos críticos de cinema mundo afora. Mas saiba: não há nada de espetacular, nenhum ponto alto ou grande descoberta. Nada assim. Os holofotes estão voltados para o diretor turco por ele ter feito uma espécie de tratado dos relacionamentos, onde cada espectador, com maior ou menor intensidade, se vê invariavelmente inserido no contexto. É como se alguém, desconhecido e anonimamente, estivesse olhando para dentro de você.

Intrigado? Convencido? Não deixe de assistir, mesmo que você me odeie por isso depois. É um exercício de aprofundamento das relações humanas que, por mais que viole sua alma e frustre suas expectativas iniciais, vale a pena. Este filme não está no circuito nacional de exibição. Até pelo fato de ter mais de três horas de duração e um público bastante limitador do ponto de vista comercial. Então, garimpe! Em São Paulo, reina no Cine Belas Artes 2, com sessões exclusivas às 14 horas. Em Florianópolis, o forte candidato à exibição é o Paradigma Cine, porém sem programação por ora. Fácil fica para quem tem Now, o sistema de locadora virtual da NET, onde o título já está disponível para locação por R$ 9,90. Pague para ver.

Após a carreira frustada como ator, Aydin toma conta de um hotel na Capadócia como forma de continuar atraindo turistas aventureiros e abonados curiosos do mundo todo

Curiosidades 

O diretor Nuri Bilge Ceylan revelou que ele tinha mais de 200 horas de material e seu corte original era de 4 horas e 30 minutos. Então, Ceylan "trabalhou duro" a fim de reduzi-lo para 3 horas e 16 minutos.

Winter Sleep foi inspirado nos contos de Chekhov, bem como nas obras de Tolstoi, Dostoievski e Voltaire.

Sobre amigos, amor e vinho - Pelo seu aniversário de 50 anos, Antoine (Lambert Wilson) recebeu um presente bem original: um infarto

Não perca o Festival Varilux de Cinema 2015. Ainda dá tempo!

O Festival Varilux de Cinema Francês, que está sendo exibido no Paradigma Cine Arte desde o dia 11, está com a programação completa no site www.paradigmacinearte.com.br. Por aqui, o Festival que geralmente é de 7 dias, aqui vai durar duas semanas. Então, programe-se e aproveite. Serão 16 produções francesas apresentadas ao público, contemplando vários gêneros, da comédia ao drama e dos clássicos aos recordes de público na França. Precisando de dicas? Não deixe de ver “Samba”, do mesmo ator e diretor do consagrado “Os Intocáveis”, e que está sendo o queridinho desta sexta edição do Festival. E se der para emendar mais um, recomendo o delicioso “Sobre amigos, amor e vinho”. Oui, nós temos cinema francês na Ilha!

Fique de olho!

Em julho, entra em cartaz no Paradigma Cine o filme argentino “Relatos Selvagens”, imperdível com Damián Szifron na direção e o veteraníssimo Ricardo Darín como protagonista.